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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Depressão em Adolescentes: Um caso de suicídio



Quem se lembra de um ocorrido em Porto Alegre quando um adolescente de apenas dezesseis anos de idade, suicidou-se? Detalharei algumas características do caso e tratarei do rapaz pelo codinome “Antônio”. Não entrarei a fundo a respeito de questões como o suicidio e a Depressão em si (como essa sendo umas das causas para o suicídio).

Como muitos sites da época informaram, o adolescente planejava sua morte, a qual teve “ajuda” de alguns colegas cibernéticos. Tratava-se de um suicídio anunciado e detalhadamente planejado, já que dividiu com amigos da internet o planejamento de sua morte.
Na data da execução do plano, Antônio escreveu em um post de seu blog:

“(...) eu tenho duas grelhas queimando no banheiro. Aqui está (uma foto é postada para que os demais usuários da rede visualizem), alguém por favor pode me dizer ... quando eu posso entrar no banheiro e deitar? Por favor, me ajudem, eu não tenho muito tempo.”


Até então, não se obtinha informações de casos de um “suicídio assistido” no Brasil, podendo ser retratado apenas em sociedades como o Japão, que conta com uma das maiores taxas de suicídio do mundo. No Brasil, algumas pesquisas mostram que os índices mais altos de suicídio são decorrentes do estado do RS.

Encontraram Antônio somente após o óbito, quando a Policia Brasileira em parceria com a Policia Federal do Canadá chegou até a residência do rapaz. Uma amiga e blogueira de Antônio, informou à Polícia Federal de seu país que estava prestes a cometer suicídio. A amiga de Antônio tinha a intençã de ajudá-lo. A internauta informou à polícias dados que puderam ajudar na localização da residência do rapaz.

Ao final, foi aberto um inquérito para apurar possíveis colaboradores para o suicídio de Antônio. Diante da Legislação brasileira, indução, sugestão ou auxílio ao suicídio são previstos por lei como crime, e o infrator pode receber uma pena de dois a seis anos de reclusão, sendo aumentada em casos que a vítima for menor de idade.




Verifica-se uma importância ao tema por se tratar de um comportamento que não é muito observado em nosso país, além de alertar alguns pais sobre o comportamento de seus filhos, já que como muitos sabem, o caso Davi inspirou grande surpresa de seus pais, colegas e professores. Para quem não se lembra, Davi era uma criança que suicidou- se também em esse ano, em SP; e era dito por todos como um menino tímido, e calmo, que não aparentava qualquer transtorno.

Tal como Davi, o adolescente em tela mostrava- se “acima de qualquer suspeita”. Antônio como descrito por muito, era um rapaz estudioso, culto, que adorava filmes, música e se dedicava ao inglês, cuja língua se mostrava impecável na escrita como quando fazia em seu blog em muitos posts. Além da paixão pelo inglês, havia também o dom de compor músicas, o que chamava atenção de muitos de seus seguidores internautas. O que constata- se ao analisar esses dados é que Antônio, apesar de mostrar-ser satisfatório nos estudos, não demonstrava certo equilíbrio emocional. Mostrava por vezes nos seus escritos características depressivas havendo também questões existenciais.

A internet hoje é um meio eficaz de se construir amizades demandando menos tempo para obtê-las, menos distância, além de proporcionar um grande enriquecimento em áreas do conhecimento. Mas como toda ferramenta de comunicação, há também seus riscos.

Antônio mostrava uma atração por fóruns de discussão com o tema suicídio, e teve sua decisão concomitante com a ajuda de seus seguidores que acompanharam não só o planejamento de sua própria morte, como também se fizeram presentes (no espaço virtual) o processo de execução em tempo real, participando da morte dele.

Muitas das vezes, adolescentes recorrem à internet por ser um meio eficaz de diminuir a solidão e angústia que sentem, diminuem seu sofrimento "garantido" por um compartilhamento deles com pessoas que parece os entender. Para tanto, não deixar espaços vazios se torna importante aos pais afetuosos e interessados ao desenvolvimento de seus filhos.

Fica o alerta para os pais perceberem seus filhos, já que nem sempre o estereótipo da criança “quietinha” e “boazinha” denota sinal de saúde! Perceber pequenos detalhes, e atentar aos mais variados avisos de que algo não está muito bem, se torna essencial.O diálogo ainda é uma das maneiras de conhecer seu filho e proporcionar uma relação de forte aliança.

Apesar de o suicídio apresentar diversas formas e causas e muitas vezes não mostrar- se previsto de sintomas nítidos, podemos perceber alguns sinais de descontrole emocional e um possível planejamento da própria morte, como: Apatia pouco usual; letargia e falta de apetite; Insônia persistente, ansiedade ou angústia permanente; Abuso de álcool, droga ou remédios; Grande impulsividade, agressividade; Dificuldades de relacionamento e integração na família ou no grupo; Insucesso escolar repentino; Afastamento ou isolamento social; Dizer adeus, como se não fosse mais ser visto.

Primeiro estudo brasileiro sobre o transtorno da conduta mostra uma prevalência de 30% desta condição entre adolescentes




O primeiro estudo realizado no Brasil sobre a prevalência1 do transtorno da conduta - desordem psicológica que vai desde mentir e matar aula até brigar com uso de armas e praticar assaltos - foi publicado na edição de setembro da revista Cadernos de Saúde Pública.

Foram entrevistados 1.145 adolescentes de 11 a 15 anos moradores de Pelotas (RS) para investigação da presença de seis comportamentos: ter freqüentemente passado a noite na rua, sem autorização dos pais; ter freqüentemente mentido ou enganado os outros; ter roubado alguma coisa; ter ameaçado bater em outras pessoas; ter destruído coisas de propósito; e ter machucado animais ou pessoas de propósito. Os resultados mostram que três em cada dez adolescentes apresentam dois ou mais dos comportamentos avaliados.

A prevalência1 de 30% para transtorno da conduta entre os adolescentes de Pelotas é similar à observada no Peru e muito superior à verificada no Canadá - neste país, a prevalência1 é de 5,5%. Essas diferenças nos valores provavelmente são decorrentes da divergência de instrumentos utilizados nas coletas de dados e nas diferenças socioeconômicas e culturais dos locais investigados, segundo a pesquisadora Ana Laura Sica Cruzeiro e co-autores no artigo.

Os pesquisadores também constataram que esse transtorno é mais freqüente entre os meninos de classes socioeconômicas mais baixas, entre jovens que sofreram bullying, isto é, “todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas que ocorrem sem motivações evidentes, dentro de uma relação desigual de poder, causando dor, angústia e humilhação” e entre aqueles que usaram bebidas alcoólicas ou drogas no mês anterior à entrevista.


Fonte: Agência Fiocruz de Notícias

NEWS.MED.BR, 2008. Primeiro estudo brasileiro sobre o transtorno da conduta mostra uma prevalência de 30% desta condição entre adolescentes. Disponível em: . Acesso em: 2 dez. 2011

Crianças Adotadas e de Orfanato





Essa pequena revisão não tem objetivo de avaliar as alterações de personalidade possivelmente associadas à criança abandonada, de orfanato ou adotada, mas tão somente as alterações de desenvolvimento, classificadas pela CID.10 apenas através da sintomatologia (e não pela etio-patogenia como deveria ser).

Tendo em vista o grande número de adoções produzidas pelas guerras e convulsões sociais do Leste europeu, nos Estados Unidos e na Europa, discute-se entusiasmadamente se a adoção, em si, é um fator de risco para o desenvolvimento, especialmente no que se refere ao rendimento escolar e o desenvolvimento global da criança.

Tendo em vista o grande número de adoções roduzidas pelas guerras e convulsões sociais do Leste europeu, nos Estados Unidos e na Europa, atualmente se discute com entusiasmo se a adoção, em si, é um fator de risco para o desenvolvimento, especialmente (da personalidade) no que se refere ao rendimento escolar e ao desenvolvimento global da pessoa.

Em tese, alguns estudos têm sugerido que as possíveis alterações no desenvolvimento de crianças adotadas podem ser estudadas, juntamente, com as eventuais alterações que sofre também a criança interna em orfanato. De certa forma isso é verdadeiro em grande número de casos, partindo do pressuposto que as crianças adotadas passaram, antes, algum tempo em instituições asilares, portanto, mesmo adotadas elas carregam as vivências da instituição.

Há ainda quem compare as possíveis alterações observadas no desenvolvimento das crianças de orfanato, com as possíveis alterações de outras crianças que vivem em seus lares mas, não obstante, também são vítimas da Negligência Precoce. São os casos onde a mãe pode até estar fisicamente presente, mas é emocionalmente distante.

Negligência Precoce
Vamos considerar Negligência Precoce a situação onde não há uma interação satisfatória entre mãe e filho durante uma fase crítica na vida da criança. Essa ocorrência caracteriza uma das condições capazes de interferir no desenvolvimento infantil.

Dependendo da dimensão psicológica e neurológica dessa Negligência Precoce, mesmo que a criança tenha recebido cuidados materiais e físicos adequados mas, tenha sido, esse relacionamento, emocionalmente indiferente ou carente, os danos causados podem ser permanentes. Os estudos sobre a formação do vínculo afetivo do recém nato não se limitam à humanos. Alguns etologistas constataram que chimpanzés também têm um atraso no desenvolvimento quando privados do contato materno adequado.

Outro ponto relevante é que as alterações conseqüentes da Negligência Precoce não costumam ser apenas psicológicas. Harry Chugani (1), neurologista do Children`s Hospital de Michigan, comparando tomografias funcionais (SPECT) do cérebro de oito crianças (romenas) aparentemente saudáveis e adotadas por norte-americanos, com tomografias funcionais de um grupo de crianças educadas em circunstâncias normais, notou que, aparentemente, as oito crianças apresentam evidências de metabolismo anormal numa área específica do lobo temporal do cérebro.

Os cientistas acreditam que esta área do lobo temporal cerebral estaria envolvida no funcionamento social. Chugani acha que essas alterações podem representar alguma coisa relacionada à Negligência Precoce, a uma falta de interação entre mãe e filho durante uma fase crítica do desenvolvimento infantil.

Embora faltem bons estudos fisiológicos a respeito desta questão, pode-se suspeitar que as alterações no desenvolvimento conseqüentes à Negligência Precoce não sejam apenas devidas à falta de nutrição e/ou higiene mas, principalmente, devidas à falta de estímulos e contatos emocionais e afetivos. Esse sim parece ser o fator mais importante no atraso do desenvolvimento de certos sistemas cerebrais.

Entre os casos que podem ser considerados Negligência Precoce, o abandono é a forma mais grave e são vários os estudos sobre os efeitos deletérios de um abandono precoce da criança e da insuficiência vínculo mãe-filho para o bom desenvolvimento afetivo e neurológico.

Trata-se de uma situação onde a criança está privada, cronicamente, das necessidades básicas para seu desenvolvimento pleno e normal.

Spitz, mais tarde Robertson e Bowlby, desenvolveram estudos sobre o abandono em fases precoces do desenvolvimento infantil. Esses autores demonstraram claramente, prejuízos no desenvolvimento físico e psíquico das crianças vítimas de abandono. Um exemplo desses efeitos nocivos, é a chamada Depressão Anaclítica, descrita por Spitz, e traduzida por um quadro de perda gradual de interesse pelo meio, perda ponderal, comportamentos estereotipados (tais como balanceios) eventualmente, até a morte.

Em crianças precoces há uma sucessão de eventos que ocorrem depois de abandonadas denominado de Reação de Abandono ou, por outros autores de Reação de Aflição prolongada, que é específica das situações onde falta a figura materna ou de um cuidador afetivamente adequado e se caracteriza por:
1. Reação de Dor e Aflição Prolongadas:
Este estado pode se manifestar por qualquer etapa da seqüência: protesto, desespero e desinteresse.
1. A criança chora, chama e busca ao progenitor ausente, recusando quaisquer tentativas de consolo por outras pessoas.
2. Retraimento emocional que se manifesta por letargia, expressão facial de tristeza e falta de interesse nas atividades apropriadas para a idade.
3. Desorganização dos horários de comer e dormir.
4. Regressão ou perda de hábitos já adquiridos, como por exemplo, fazer xixi e/ou coco na roupa (ou cama), falar como se fosse mais novo.
5. Desinteresse paradoxal, que se manifesta por indiferença às recordações da figura cuidadora (fotografia ou menção do nome), ou mesmo uma espécie de "ouvido seletivo", que parece não reconhecer essas pessoas.
6. Como comportamento alternativo, a criança pode mostrar-se exatamente ao contrário das características acima; torna-se extremamente sensível a qualquer recordação do(a) cuidador(a), apresentando mal estar agudo diante de qualquer estímulo que lembre da pessoa.
Sobre o estabelecimento dos vínculos, Winnicott (2) diz que: "Sem ter alguém dedicado especificamente às suas necessidades, o bebê não consegue estabelecer uma relação eficiente com o mundo externo. Sem alguém para dar-lhe gratificações instintivas e satisfatórias, o bebê não consegue descobrir seu próprio corpo nem desenvolver uma personalidade integrada".

Alguns estudos sobre alterações psico-emocionais detectadas em crianças de orfanato, nem sempre acabam apontando um diagnóstico perfeitamente definido pelas classificações internacionais (CID.10 e DSM.IV). Foi de Laurie Miller, a seguinte observação: "Vi um menino que ficou num orfanato russo até os 2 anos e meio de idade e depois foi adotado por uma mãe solteira nos Estados Unidos. Cada médico que o atendeu fez um diagnóstico diferente: esquizofrenia, autismo, desordem obssessivo-compulsiva. Cada um continha um pouco de verdade.

Meu diagnóstico seria de complexa disfunção comportamental neurofisiológica de criança pós-institucionalizada.

Alguns psicólogos dão a esses pequenos pacientes o diagnóstico de Desordem do Vínculo, definindo um grupo de manifestações apresentadas por parte das crianças desses estabelecimentos asilares.

Esse, entretanto, não é um diagnóstico médico listado na CID.10, mas nem por isso deixa de existir.

A negligência é entendida, moral e juridicamente, como um tipo de violência onde o agressor é passivo, e a agressão acontece justamente pela falta de ação; portanto é muitas vezes é tida como menos importante. A mãe ou pai negligente é culpado mais pelo que não fez.

Em Psiquiatria Forense, ao se estudar a Violência de um modo geral, onde se inclui a Negligência Infantil, costuma-se diferenciar essa Negligência em 2 tipos; a Negligência Física e a Psicológica. Por razões lógicas (e práticas) não carecemos dessa distinção, supondo que ambas costumam ser indissolúveis e inseparáveis.

Os números da Negligência
O CRAMI - Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância, de Campinas, publica na Internet os seguintes números sobre a Violência Doméstica:
AGRESSÕES 1.985 à 1.997 %
Agressão Física 1.717 47,1
Negligência/Abandono 737 20,2
Abuso Sexual 216 6,0
Mau trato Psicológico 397 10,9
Improcedente 577 15,8
Total 3.644


Teoria do vínculo
A chamada Teoria do Vínculo ou da Ligação Afetiva (preferimos esta última), diz respeito à necessidade de amor materno, ou algo bem parecido com isso, para as crianças se desenvolverem bem emocional e cognitivamente. Essa ligação criança-mãe precisa, segundo especialistas, de uma importante continuidade de cuidado afetivo para ser eficaz.

Se o cuidado afetivo contínuo será fornecido principalmente por uma mãe, o que se pergunta com preocupação, é se um orfanato ou uma creche seria ou não uma espécie de descontinuidade no processo do vínculo. Os primeiros estudos sobre a Ligação Afetiva foram publicados pelo psiquiatra inglês John Bowlby e pelo francês René Spitz, e mostraram um impressionante comprometimento nas reações psicológicas e físicas das crianças separadas de seus pais quando muito jovens.

Hoje em dia, quando as separações entre mães e filhos são parte dos problemas da vida moderna e independentes da orfandade, seja pelas necessidades do trabalho feminino, seja pela alta incidência de mães solteiras sem possibilidades de ficar com o filho, seja por acontecimentos catastróficos internacionais (guerras, terremotos, etc.), a comunidade científica quer saber mais sobre o que acontece com essas crianças cujos laços afetivos se romperam.

Fora a questão dos orfanatos, que parece ser pior, alguns terapeutas arriscam teorias segundo as quais, mesmo as creches, especialmente quando não são de boa qualidade, assim como a volta da mãe ao trabalho alguns meses após o parto, são fatores de grande risco para o desenvolvimento de desordens do vínculo (tipo Vínculo Inseguro, veja adiante). Pode-se, possivelmente, considerar as crianças pequenas que passam muitas horas em creches de baixa qualidade, e/ou que têm um grupo irregular de substitutos maternos durante seus primeiros anos de vida como fator fortemente agravante.

Desordem do Vínculo
A vida em orfanatos tende a inibir as áreas da inteligência nas crianças de uma forma global, interferindo negativamente na coordenação motora geral, na interação social e na linguagem. Bons estudos foram realizados no Canadá por Elinor Ames, e revelaram que 78% das crianças romenas provenientes de orfanato estavam atrasadas quando foram adotadas.

Por carência de estimulação, de vínculos afetivos e de atenção emocional, as crianças de orfanatos podem ter deficiências cognitivas, deficiências de integração sensorial, dificuldade em processar a linguagem no ritmo em que é falada e, conseqüentemente, prejuízo no processo de aprendizado.

Victor Groza (3), um dos maiores especialistas em adoção, num estudo de mais de 200 famílias norte-americanas que adotaram crianças romenas, dividiu os adotados em três grupos. Em seu estudo, cerca de 20% dos adotados eram o que ele chamou de "Crianças Prejudicadas", ou seja, crianças que foram muito afetadas pela institucionalização em orfanatos. Essas crianças continuaram tendo problemas emocionais e de desenvolvimento até quatro anos após sua adoção.

O estudo não foi suficientemente longo para acompanhar essas crianças depois de 4 anos de adotadas.

Cerca de 60% dessas crianças ele chamou de "maravilhas feridas".

Elas apresentavam um atraso de sociabilidade e de desenvolvimento em relação aos colegas mas, apesar disso, conseguiram readquirir uma boa adaptação e desenvolvimento em seus lares adotivos. Finalmente, refere um terceiro grupo representado por crianças sem nenhum efeito prejudicial produzido pelos orfanatos. Talvez, especula Groza, essas crianças fossem um tipo de "mascote" no orfanato e, com sorte, conseguiram fazer com que lhes fosse dispensado mais atenção.

Por causa do grupo "Crianças Prejudicadas", Groza alerta que, ao adotar, é preciso estar preparado para alguém com necessidades especiais, necessidades estas que podem durar uma vida inteira. De qualquer forma, observou quer, entre as crianças deixadas em orfanatos e aquelas prontamente adotadas, estas últimas evoluem muito melhor.

Mas porque a chamada Negligência Precoce afeta mais algumas crianças que outras? A resposta pode ser tentada nos trabalhos de Jerome Kagan (5), de Harvard. Ao mesmo tempo em que ele que aceita a teoria do vínculo como sendo bastante atraente, reconhece ser muito difícil e subjetivo medir o conteúdo emocional dos relacionamentos entre as diferentes pessoas. O temperamento inato (natureza da criança), diz Kagan, é tão importante para determinar se um bebê se transformará num adulto feliz, seguro ou sofredor, quanto as primeiras experiências afetivas. Algumas crianças são simplesmente mais suscetíveis à separação e à perda do que outras.

O Novo Vínculo Familiar
Em relação à capacidade da criança adotada formar vínculo afetivo com a nova família, Elinor Ames (7) concluiu que todas as crianças da amostra pesquisada por ela formaram algum tipo de vínculo com a família da adoção. A suspeita de que tais crianças pudessem elaborar um padrão de vínculo inseguro foi despertado pela observação de que, mesmo três anos depois da adoção, 60% dos pais notavam uma atitude excessivamente amigável de seus filhos para com adultos estranhos.

Por outro lado, O’Connor comparou dois grupos de crianças adotadas, um deles considerado de risco genético, tomando por base o perfil de personalidade de seus pais biológicos, e outro sem risco genético. Concluiu que as crianças com risco genético têm muito mais probabilidade de desenvolver problemas comportamentais que o outro, dificultando assim a adaptação à adoção (12).

Mas, sem dúvida, van der Valk (1998) é um dos autores que melhor têm pesquisado as influências genéticas na qualidade da adoção. Segundo ele, estudando e acompanhando por 15 anos a adoção de 229 pares de irmãos por famílias diferentes e 1080 adoções únicas, mais de 50% dos problemas de agressividade, atenção e sociabilidade puderam ser atribuído à problemas genéticos, enquanto 40% desses problemas pode ser explicado através de variantes ambientais (14).

E entre as variantes ambientais capazes de comprometer a qualidade da adoção, Derdeyn (1998), além de relacionar uma série delas muito variável, atribui também à conotação cultual pejorativa da adoção um elemento importante a influenciar essa qualidade. Haveria uma certa predisposição da família e da sociedade suficiente para superestimar eventuais problemas na criança adotiva (15).

Uma das seqüelas da criança de orfanato diz respeito à graduação ou nível em que estabelece vínculos íntimos com outras pessoas. Alguns, por um padrão de Vínculo Inseguro, costumam ser exageradamente amigáveis com todos que se aproximam, como se tentassem atrair a companhia e de alguém que lhes desse mais segurança, outros, ao contrário, parecem evitar qualquer aproximação mais calorosa, como se tivessem medo da decepção.

Essas crianças parece que sentem a falta de pessoas particularmente sintonizadas com elas e, apesar disso não produzir necessariamente um evidente distúrbio de vínculo, pode fazer com que elas oscilem para mais (vínculo inseguro) ou para menos (vínculo embotado).

Hughes (1999) apresenta uma nova proposta para melhorar os problemas de adoção. Ele recomenda que os problemas de vínculo sejam previamente estudados e detalhados para, a partir desse conhecimento, elaborar-se condutas dos pais adotivos, consoantes aos problemas do vínculo. Na realidade ele faz o contrário do que se tem feito até agora, ou seja, ele não espera haver problemas de vínculo para agir nas crianças, mas parte do pressuposto de que, de fato, algum problema de vínculo existe e procura adequar os pais adotivos à esse problema (13).

Para uma criança muito nova, pode ser prejudicial a falta de ligação afetiva com uma pessoa que conviva com ela. Segundo a teoria de John Bowlby (8), a privação prolongada de cuidados maternos para uma criança muito nova pode causar efeitos de graves conseqüências no caráter, efeitos esses que podem se prolongar por toda a sua vida futura. E isso tanto se relaciona à crianças de orfanato, àquelas que sofrem separações dos pais, ou mesmo para aquelas que, apesar de viverem em seus lares, são abandonadas por negligência ou omissão.

Este último caso é quando a mãe se encontra fisicamente presente e emocionalmente distante.
Muitos acreditam que atender imediatamente a um choro de bebê pode transformá-lo numa criança mimada mas, por outro lado, sabe-se que nenhum tipo de cuidado infantil acompanhado de carinho materno poderá resultar em insegurança.

Elementos genéticos
Um estudo realizado pela psiquiatra Susane Rocha de Abreu , como dissertação de mestrado, mostrou que as crianças e adolescentes que moram em orfanatos têm seis vezes mais chance de desenvolver transtornos psiquiátricos do que as que vivem com suas famílias. Os orfanatos diferem de instituições destinadas à correção de delinqüentes, caso da maior parte das unidades da Febem.

O estudo de Susane comparou crianças institucionalizadas com crianças que moravam com a família: enquanto, em média, 49% das crianças que moravam em instituições apresentavam algum tipo de transtorno psiquiátrico, eles foram encontrados em 14,3% das que viviam com a família.

O transtorno encontrado com mais freqüência em ambos os casos foi depressão. No grupo do orfanato, 28,6% tinham a doença, contra cerca de 8% dos adolescentes que moravam com a família. Em segundo lugar foi a Deficiência (Retardo) Mental Leve, encontrada em 11% das crianças dos orfanatos, contra 6,3% das que viviam em ambiente familiar.

Com menos freqüência, a Hiperatividade (4,8%) foi detectada apenas entre as crianças moradoras dos orfanatos, assim como a ansiedade (3,2%) e os Transtornos de Conduta, também só nos institucionalizados, com 1,6%, associado à delinqüência e à desobediência.

O trabalho conclui que viver em uma instituição está associado à maior chance de apresentar problemas psiquiátricos, mesmo considerando a influência de outros fatores como, por exemplo, a ausência da mãe (por morte ou desaparecimento) e o desempenho escolar prejudicado. Aliás, 62% dos internos estavam atrasados ao menos um ano em relação à série esperada para crianças de suas idades.

Um outro trabalho criterioso de pesquisas, Da Institucionalização à Adoção: Um Caminho Possível?, disponível na internet , trata da questão das adoções e de crianças institucionalizadas. Lidia Natalia Dobrianskyj Weber e outros (Weber; Gagno; Cornélio & Silva, 1994; Weber & Cornélio, 1995; Weber & Gagno, 1995) pesquisaram junto aos pais e filhos adotivos, bem como com a população em geral.

Vou contestar algumas afirmações desse trabalho. Não pretendo com isso simplesmente desestimular adoções, nem amedrontar interessados, mas sim, apontar diferenças entre a caridade, politicamente correta, e algumas opiniões da ciência.

Ao se pretender fazer caridade, a despeito da nobreza e mérito dessa iniciativa, deve assumir os riscos dessa atitude, os quais não são nada desprezíveis. Porém, ao se pretender substituir a ausência de um filho pela adoção de uma criança, a noção sobre esses riscos deve ser mais consciente ainda.

Os autores do trabalho consideram que a principal variável encontrada, cerceando a adoção, resume-se em uma palavra: preconceito, “seja ele consciente ou não”.

Com propósito de oferecer outro ponto de vista, orientar futuros candidatos à adoção, argumentaremos os tópicos referidos nesse elogioso trabalho. Segundo Weber, “...Próximos do início do terceiro milênio, os seres humanos, especialmente os brasileiros, ainda esbarram na barreira irracional das crendices. Estas pesquisas que realizamos mostram que estes preconceitos são tão arraigados e tão fortes que se interpõem até mesmo no discurso e nas ações de pais e filhos adotivos” (afirmam os pesquisadores). De acordo com as opiniões de boa parte a população em nossas pesquisas, as pessoas:
1. teriam medo de adotar crianças mais velhas (acima de 6 meses) pela dificuldade na educação; Está absolutamente certo. Há grande probabilidade das crianças institucionalizadas em orfanatos terem, infelizmente, experimentado momentos de negligência e abandono materno os quais, de acordo com Spitz, Robertson e Bowlby, poderiam resultar em seqüelas indeléveis e definitivas na constituição dessas crianças.

Portanto, o medo de adotar-se uma criança que mais tarde apresentará severos problemas comportamentais e psiquiátrico é bastante sensato.

2. teriam medo de adotar crianças de cor diferente da sua, pelo “preconceito dos outros”;
A experiência clínica tem mostrado que esse problema, apesar de bastante sério, pode ser contornável. Nossa sociedade, cada vez mais tem repudiado a DESCRIMINAÇÃO. Apesar disso, a dinâmica intrapsíquica do PRECONCEITO é um atributo inalienável do ser humano. Os mecanismos que permitem a um corintiano detestar um palmeirense explicam, de forma politicamente correta e minimizada, o que se que quer dizer dos preconceitos.

3. teriam medo de adotar crianças com problemas de saúde pela incapacidade de lidar com a situação e pelas despesas altas que teriam;
A situação econômica que vive a população brasileira e a qualidade dos serviços públicos de saúde dispensa maiores comentários.

4. teriam medo de adotar uma criança que viveu muito tempo em orfanato pelos “vícios” que traria consigo;
Vale aqui o mesmo raciocínio do item 1.

5. medo de que os pais biológicos possam requerer a criança de volta;
Programas de tv, tipo Fantástico, freqüentemente mostram reportagem mostrando que esse medo não é nem um pouco infundado.

6. medo de adotar crianças sem saber a origem de seus pais biológicos, pois a “marginalidade” dos pais seria transmitida geneticamente;
Não se sabe, exatamente, se podemos dizer que a “marginalidade” é transmitida geneticamente, mas muito se sabe sobre ao componente genético do caráter, portanto, podemos falar em concordância familiar para os transtornos sociopáticos (psicopáticos) da personalidade.

E isso nem a ONU contesta, já que, tanto a CID.10 quanto o DSM.IV falam em antecedentes familiares nos sociopatas ou de pessoas com Transtornos Anti-Sociais da Personalidade. Acredita-se hoje que essa possibilidade existe sim e, é sempre bom não confundirmos conhecimento científico com preceitos de caridade universal.

7. culpabilizam somente os pais pelo internamento e abandono dos filhos e pensam que o governo deveria controlar o número de filhos, principalmente em mulheres pobres; Absolutamente certo: deveria haver controle de natalidade. Quanto à primeira afirmativa, a expressão Abandono Materno, que é um quadro bastante reconhecido na psiquiatria da infância, como diz o nome, dá-se quando a criança é, de fato, abandonada pela figura de maior vínculo afetivo, normalmente a mãe.

Evidentemente há um atenuante: vivemos num país onde os adultos também são, praticamente, abandonados; abandonados economicamente e socialmente.

8. pensam que uma criança adotada, cedo ou tarde, traz problemas;
Realmente. Crianças adotadas, estatisticamente, têm maior probabilidade de transtornos emocionais (veja artigo intitulado “Estudo associa vida em orfanato a maior risco de problema psiquiátrico” que comenta o trabalho de Susane Abreu).

9. acreditam que a adoção visa primordialmente o adotante e não a criança, sendo um último recurso para pessoas que não conseguem ter filhos biológicos;
Não só acreditam como é verdade, ao menos estatisticamente verdadeira. Normalmente as adoções são propostas por casais sem filhos. A evidência estatística dispensa maiores comentários.

10. acreditam que a adoção pode servir como algo para “desbloquear algum fator psicológico” e tentar ter filhos naturais;
Quanto a isso não tenho dados suficientes mas, por dedução, é bastante possível. Grande parte dos casais sem filhos que se propõem à adoção comentam sempre que conhecem algum casal que teve filhos depois de adotarem uma criança.

11. acham que quando a criança não sabe que é adotiva ocorrem menos problemas, assim, deve-se adotar bebês e “fazer de conta” que é uma família natural;
Sem comentários....

12. acham que as adoções realizadas através dos Juizados são demoradas, discriminatórias e burocráticas e recorreriam à adoção “à brasileira” caso decidissem adotar;
Absolutamente verdadeira. A burocracia brasileira não pode, de forma alguma, ser considerada uma das mais lépidas do mundo. A grande desvantagem da adoção mediada pelos juizados é o impedimento para que se conheçam os pais da criança adotada. Uma espécie de “tiro no escuro” pois, até para comprar de animais a questão genética é requisito fundamental.

13. consideram que somente os laços de sangue são “fortes e verdadeiros”. A maioria destes conceitos errôneos poderia ser esclarecida através de campanhas, publicações, folhetos....
É um risco gravíssimo negar os conhecimentos científicos em nome daquilo que seria politicamente correto. Pergunto: não seria estranho que geneticamente apenas se transmitissem doenças do tipo diabetes, epilepsia, esquizofrenia, miopia, enxaqueca, propensão à hipertensão arterial, a certos tipos de câncer, e muito mais?

O projeto genoma, em seus desdobramentos, tem cada vez mais identificadas partes de cromossômicos responsáveis pela transmissão de uma série infindável de doenças e, mais que isso, de características pessoais. Os fatos estão aí.

Influência Genética no Comportamento
Esse texto foi inspirado em: BEHAVIORAL GENETICS ’97: ASHG STATEMENT Recent Developments in Human Behavioral Genetics: Past Acomplishments and Future Directions, Stephanie L. Sherman et alli., Am. J. Hum. Genet. 60:1263-1275, 1997. Tradução: Nadir Ferrari, disponível na internet em
Para evitar muitas controvérsias sobre esse tema, já começamos dizendo que os achados históricos e contemporâneos sugerem que as características comportamentais podem ser moldadas tanto por influências genéticas como ambientais. Pronto.

Entretanto, interessa aqui, por se tratar de um site de medicina, abordar os problemas inerentes ao corpo humano, portanto, à genética, deixando aos sociólogos e antropólogos a espinhosa missão de discorrer sobre as questões ambientais.

Há algum tempo os psicólogos acreditavam que as características do comportamento humano eram quase inteiramente resultado de influências ambientais. Ranço que persiste até hoje em alguns segmentos intelectóides da sociedade. Assim como persiste o ranço de achar que todo comportamento humano decorre exclusivamente de um punhado de genes e sem nenhuma participação do ambiente. Ah... os extremos....

Digamos que se sabe hoje, que a inteligência e a Deficiência Mental, a atração por novidades, timidez e os Transtornos Afetivos, o nível de atividade, sociabilidade e a probabilidade de desenvolver-se uma esquizofrenia, alguns quadros (Prader Willy) com compulsão alimentar, a epilepsia, agressividade e a Síndrome XXY, entre muitos outros, sejam todos fortemente influenciados pela genética. Acho que essas descobertas científicas não caracterizam nenhum pecado mortal, embora possam não ser politicamente corretos quando as aplicamos a alguma restrição, por exemplo, para a adoção.

A máxima psicológica tradicional afirma(va) que as influências genéticas eram relativamente importantes na infância precoce, mas eram superadas pelas influências ambientais à medida que a criança amadurecia, notadamente se lhe aplicassem amor e carinho em doses generosas. Os americanos, mais sabidos, acrescentaram ao amor e carinho, também doses ilimitadas de liberdade...”uma criança contrariada poderia tornar-se um psicótico mais tarde...”

Mas, fatalmente, o que se tem visto é que, quanto aos achados recentes da genética do comportamento, para muitas características os efeitos genéticos aumentam ao longo da infância e da adolescência, em vez de diminuir.

Considera-se a existência de um conjunto de genes atuando de forma aditiva (poligenes) que predispõem a pessoa a ter determinado padrão comportamental, embora não devemos nunca esquecer o papel fundamental do ambiente, cujos fatores (por favor, sem exageros) vão interagir na expressão da característica comportamental, considerada assim, de natureza multifatorial.

A partir do VII Encontro de Geneticistas do Rio Grande do Sul, o Professor Oswaldo Frota-Pessoa elaborou um resumo intitulado “Genética do Comportamento Humano" (1990).

Alcoolismo e Genética
Trabalhos relacionando tendência genética ao alcoolismo, por exemplo, foram realizados por Cloninger (1987b) tomando-se como observação pessoas adotadas e cujo pai biológico era alcoolista.

No trabalho Cloninger definiu dois pólos de personalidade, que chamou de Tipo 1 e Tipo 2, entre os quais se distribuem os alcoólatras.

O Tipo 1 da personalidade de Cloninger associa-se a alta dependência de prêmio, alta prevenção de dano e baixa procura de novidade. Tende a ser introvertido, rígido, perfeccionista e dependente. Tem grande dificuldade em controlar a bebida e sente-se culpado e temeroso. Começa a beber, em geral, depois dos 25 amos. O Tipo 2 tende para o perfil oposto, com dependência baixa de prêmio e prevenção de danos e alta procura de novidade. É impulsivo e anti-social, cria riscos a gosta de enfrentá-los, procura ter novas experiências, inclusive com drogas. Começa a beber, em geral, na adolescência.

Para entender o que eram exatamente esses traços, Cloninger (1987b) desenvolveu um instrumento (Trídimensional Personality Questionaire, ou TPQ) com cem questões de resposta sim ou não, que medem três dimensões básicas da personalidade:
Prevenção de dano - Esta característica torna a pessoa tímida e precavida, temerosa do desconhecido e facilmente fatigável.
Dependência de prêmio - Necessidade de procurar recompensas e evitar punições, levando a pessoa a ser tolerante, solícita, persistente e dependente.
Procura de novidade - Leva a pessoa a procurar impulsivamente o ambiente, quando recebe estímulos novos, e a ter atitudes não-convencionais e pouco organizadas.
Os estudos que Cloninger fez com filhos adotivos mostraram que os dois tipos diferem quanto ao seu determinismo genético-ambiental. Os filhos biológicos de alcoólatras do Tipo 2 apresentavam muito maior freqüência de alcoolismo do que a população geral, mesmo quando os hábitos da família adotiva não favoreciam o alcoolismo.

Quanto ao Tipo 1, entretanto, só houve aumento significativo da freqüência de alcoolismo entre os filhos adotivos que, além de terem pais naturais alcoólatras (do Tipo 1), encontraram ambiente favorável ao alcoolismo no lar adotivo. Em outras palavras, no Tipo 2, a predisposição hereditária manifesta-se em qualquer ambiente, mas, no Tipo 1, ela só se manifesta em ambiente propício ao alcoolismo.

Observou ainda que as mulheres alcoólatras tendem a ser do Tipo 1, aquele do ambiente favorecedor. Os homens irmãos de alcoólatras do Tipo 2 têm risco de 18% de alcoolismo (predominantemente do Tipo 2), mas as mulheres das mesmas irmandades mostraram risco equivalente de hipocondria (preocupação excessiva com a própria saúde), o que sugere que esta doença seja a versão feminina do alcoolismo Tipo 2.

Traços Congênitos
É importante, em um trabalho como este, cujo propósito é informar pessoas leigas ou não profissionais nesta área, explicar alguns conceitos científicos sobre hereditariedade. Abordar, corrigir e oferecer outro enfoque para as constantes afirmações estapafúrdias, sem nenhum preparo acadêmico, técnico ou científico, sobre esse ou aquele assunto da psiquiatria, são nossas maiores motivações para esse trabalho.

Informações existem de sobra e gratuita, através da internet ou outros meios, mas apesar disso, há uma certa preguiça intelectual dando lugar aos tradicionais “eu acho”, normalmente sem nenhuma base acadêmica.

No nascimento, qualquer traço que o indivíduo apresenta é considerado congênito, porém, não será necessariamente hereditário ou genético. Isso significa que nem todos traços congênitos foram herdados, podendo ser causados por fatores ambientais intra-útero. Exemplo dessas aquisições na formação do feto e que nascerão com a criança é o caso do vírus da rubéola infecta a gestante, ou conseqüência fetal de diabetes da mãe.

Por outro lado, existem os traços congênitos que são também genéticos, transmitidos pelos cromossomos, como a cor dos olhos, doenças hereditárias, etc.

Resumindo, traço congênito pode ser hereditário ou não, e o contrário de traço congênito é o traço adquirido. Assim sendo, o termo congênito se contrapõe ao termo adquirido.

Além disso, existem ainda traços genéticos (hereditários) que não se manifestam logo ao nascer. Nesse caso, são fortes predisposições genéticas que muito provavelmente se manifestarão durante o desenvolvimento. Os caracteres sexuais secundários, como a implantação dos pelos por exemplo, estão impressos no código genético e só se manifestarão em idade oportuna.

Osvaldo Frota-Pessoa cita ainda, como condições genéticas que não estão manifestas ao nascimento a Doença de Huntington, que é uma degeneração progressiva do sistema nervoso central que se manifesta na idade adulta, a Distrofia Muscular Progressiva de Duchenne, que só começa a prejudicar a marcha em torno dos três anos de idade.

Os traços se manifestarão com mais força congênita na medida em que resultam de indivíduos com maior número de genes em comum. Exemplo: dois genitores altos terão maior probabilidade de filhos altos do que se apenas um dos genitores tiver a constituição alta.

Ato Instintivo e Ato Aprendido
Alguns instintos são comandados por genes da espécie, de forma que os filhotes de uma mesma espécie já vêm ao mundo equipados com certos comportamentos de fábrica e próprios da espécie. Sua sobrevivência depende fortemente de seu sistema nervoso, formado no período embrionário, respondendo automaticamente a certos estímulos. Tais características atreladas à espécie resultam de genes aperfeiçoados pela seleção natural.

São comportamentos instintivos, adaptados à sobrevivência e não são aprendidos. Para exemplo basta observar como agem determinados filhotes assim que nascem, como comem, como agem... sempre da mesma forma numa mesma espécie.

No ser humano, apesar de existirem muitos instintos, o automatismo desses instintos é bastante limitada, e logo, precocemente, prevalece a execução de atos inteligentes, O choro do bebê diante do estímulo da fome, assim como as sucções do seio maternas, são atitudes não aprendidas, são exemplos de atitudes instintivas. Mas logo a criança vai desenvolvendo e aprendendo formas mais eficientes de manifestar a fome e conseguir alimentos.
Tabela 1
Características opostas dos atos instintivos e dos aprendidos.
Ato instintivo Ato aprendido
Inato: o indivíduo executa o ato com eficiência desde a primeira vez, mesmo sem ter visto o ato executado por outro. Aprendido: o indivíduo aprende aos poucos a executar o ato por imitação e o aperfeiçoa com a repetição.
Herdado: os genes determinam a natureza do ato e o ambiente contribui com o estímulo que o desencadeia e com os componentes materiais que o tornam realizável. Adquirido: a interação do indivíduo com o meio cria experiências que se registram na memória e passam a constituir os elementos que se combinam inspirando novas ações.
Automático: sempre realizado do mesmo jeito, embora sejam necessárias alterações para se atingir a meta útil. Adaptável: modifica-se de acordo com as circunstâncias, garantindo que a meta útil seja atingida.
Inconsciente : o ato se processa sem um ensaio mental prévio ou um planejamento consciente que oriente a ação para a meta útil. Consciente: testa-se mentalmente a eficácia da ação por meio de um planejamento que a oriente para a meta útil, quaisquer que sejam as circunstâncias.
Osvaldo Frota-Pessoa: Psicologia no ensino de 2º grau: uma proposta emancipadora..Conselho Regional de Psicologia, 6ª Região e Sindicato de Psicólogos no Estado de São Paulo, SP, Edicon, 1986.
A doença afetiva, embora seja considerada de origem multifatorial, é um exemplo claro do peso da influência genética. Os estudos mostram acentuada concentração familiar desse Transtorno Afetivo. Cerca de 20% dos parentes próximos das pessoas com Transtorno Afetivo apresentam a mesma doença. Além disso, os dados sobre concordância da afecção em gêmeos comprovam que esta concentração familiar não é decorrente de imitação de atitudes entre pessoas da mesma família.

Quando um dos gêmeos monozigóticos (idênticos) tem doença afetiva, o outro membro também tem a doença em 75% dos casos. Por outro lado, se os gêmeos são dizigóticos a doença apenas em apenas 20% dos casos, mesma porcentagem que entre irmãos não gêmeos.

O fato da concordância entre gêmeos idênticos não ser de 100% sugere a participação de outros fatores, mas a percentagem de 75% sugere um forte componente genético.

Ballone GJ - Criança Adotada e de Orfanato - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2004