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terça-feira, 19 de março de 2013

Mentirosos de plantão: a Mitomania sendo encarada pela Psicologia

          
            Comecemos a distinguir a mentira “mentirinha” e a mentira patológica. Mentirinha são comuns no nosso dia-a-dia por alguma finalidade, por exemplo, “mãe, vou à padaria”, enquanto vai ao cinema com o namorado. Finalidade: você deseja que sua mãe fique sabendo que você vai à padaria e não namorar. Lógico que essa ida à padaria demorará pelo menos 1 hora e alguns muitos minutos!
Já a mentira de uma pessoa acometida pela Mitomania é totalmente diferente, há nas mentiras um requinte de detalhes bem maior que uma pessoa vez ou outra mente.
O Mitômano é o individuo que mente patologicamente, ou seja, constantemente. É a doença do mentir. Suas mentiras exercem finalidades de criar um mundo à parte, o seu próprio mundo. Um exemplo básico é “moro em um castelo na rua ‘x’ e tenho um Pit Bull”. Com o passar do tempo você verifica que a pessoa mora não em um castelo, mas sim em uma casa em um bairro tal e o Pit Pull que a pessoa falava ter não passa de um vira-lata.
E o que a pessoa mentirosa patológica ganha com isso? Pois bem, este sujeito encara sua realidade como sendo tão ruim que começa a criar mentiras para outras pessoas, chegando ao ponto de até mesmo acreditar nelas (nas próprias mentiras!).
A Vida de este ser que mente evidencia lacunas, as quais não conseguem ser completadas. É um vazio tão grande que começa a mentir, e na maioria dos casos, não veem um fim.
O PERFIL PSICOLÓGICO? Sentimentos de inferioridade percorrem sua estrutura, sente-se inseguro em diversas situações e áreas de sua vida, dificuldade de acreditar em si mesmo; sua auto- estima é decadente e analisa as limitações da vida como não existentes.
Quem são as vítimas dos mitômanos? Bem como as vítimas dos psicopatas: sempre aquelas que são ingênuas. Aquelas pessoas que creem no potencial melhor do ser humano e que acha que todos são legais até que provem o contrário.
Como lidar com uma pessoa que mente? O conselho que dou é fazer o mesmo jogo. Não necessariamente investir com mais mentiras, mas fingir que acredita na mentira da pessoa que conta. É perigoso argumentar com tais pessoas e até mesmo inútil, já que na maior parte a vida de quem mente dificilmente terá algum resquício real. Então finja que acredite e tente aos poucos se afastar desta pessoa.
Entra aí o Poder da Vida. Deixe que a Vida se encarregue de mostrar as respostas para esta pessoa. Saia da história antes que se machuque. Infelizmente em muitos casos na nossa vidinha temos que saber a hora de sair de algumas situações. Pense se vale todas as mentiras e dividir mentiras com um mitômano.
Boa sorte a todos e boa semana!
 

sábado, 16 de março de 2013

Uma reflexão para o final de semana: A raposa e as uvas


Bom dia Caros leitores!




Apesar de hoje não ser um dia de atualização do blog (normalmente publico os posts nas terças ou quartas-feiras de cada semana) desejo expor a vocês uma pequena reflexão.

 Objetivo tal, pois os dias de descanso podem ser encarados como uma leve pausa para a renovação de energias para a semana que virá.

            Hoje oferto a já muito conhecida fábula de Jean de La Fontaine "A Raposa e as uvas" escrita no século XVIII.

          Nas fontes que encontrei como aliadas contam que a presente fábula sofreu algumas variações ao longo do tempo, mas todas elas trazem consigo uma única mensagem.

         A história é de uma raposa que como muita foma avista cachos de deliciosas uvas penduradas em uma vinha. Seu insucesso por consegui-las foi tamanho que afastou- se do apreciado alimento. Logo segue seu caminho resmungando e dizendo que aquele fruto do seu desejo não servia para ela, pois estariam verdes e não apropriadas ao seu deleite.

         O tesouro que este fábula pode nos passar é que na vida por vezes inpecilhos são postos em nossos caminhos, mas por comodismo ou através renúncia da vitória em detrimento da luta diária e exaustiva nos afastou do que desejamos realmente. Por medo da frustração, renunciamos a possibilidade do sim e aceitamos o não como realidade.

        Tirando o foco do eu, podemos verificar esta mesma situação na vivência de outras pessoas, que fogem da vitória por medo da derrota.

        Tanto na nossa como na vida de outrém cabe lembrar que o tempo passa e que somos SENHORES DOS NOSSOS DESEJOS E DO NOSSO DESTINO.

        Vivamos sem deprezar aquilo que no fundo desejamos obter!

 

A Raposa e as Uvas

 
Contam que certa raposa,

andando muito esfaimada,

viu roxos maduros cachos

pendentes de alta latada.


De bom grado os trincaria,

mas sem lhes poder chegar,

disse: “estão verdes, não prestam,

só cães os podem tragar !”

 

Eis cai uma parra, quando

prosseguia seu caminho,

e crendo que era algum bago,

volta depressa o focinho.



Em outras palavras segundo variadas fontes da internet a respeito desta fábula:

Aqueles que são incapazes de atingir sua própria meta tendem a depreciá-la, para diminuir o peso de seu insucesso.”

“É fácil desprezar aquilo que não se pode alcançar.”

Ao não reconhecer e aceitar as próprias limitações, o vaidoso abre assim o caminho para sua infelicidade.”

Quem desdenha quer comprar”

Fontes:

· Google

· (Fábula de La Fontaine traduzida por Bocage. in: As Fábulas de La Fontaine, 3 vol., Ed. Pedagógica Brasileira, SP, s/d, p.48)


quarta-feira, 13 de março de 2013

Entendendo a Perversão e a Histeria a partir da análise de personagens literários


Neste blog pretendo apresentar aos meus leitores visões dinâmicas do que é a Psicologia. Um desejo talvez audacioso de escrever uma “Psicologia para leigos”. Saindo um pouco dessa "minha missão" intento nesta publicação apresentar um trabalho riquíssimo a respeito dos temas Perversão e Histeria.
Minha decisão por esta exposição é a de dismistificar um pouco da aparência do histérico. Costumeiramente remetemos à este quadro certos traços histriônicos (para maiores eclarecimentos acessar http://www.raquelfreirepsicologa.blogspot.com.br/2012/12/sobre-histeria-identificando-um_22.html ) o que muitas das vezes pode ser mascarados por comportamentos perversos, como no caso da ilustração literária que segue.
A autora, Aspásia Papazanakis, minha supervisora de estágio em Psicodiagnóstico Infantil na Universidade Paulista em São Paulo- campus Tatuapé no ano de 2010, conseguiu adentrar o universo cinematográfico/ literário fazendo uma análise altamente qualificada a respeito da Perversão e da Histeria ilustrando magnificamente os personagens do filme.
Brilhantemente a Prof. Mestre conseguiu no presente trabalho unir a perversão e a histeria analisando os personagens conseguindo distinguir quadros tão complexos de forma tão prática e de fácil entendimento.
Retrógrado este filme, tal como a obra literária (1782), podemos encontrar em outro filme mais atual sendo apresentado de forma sutil e sem tanta riqueza de detalhes no filme “Segundas Intenções”, o qual não passa de uma releitura de “Ligações Perigosas”.
Me veio à mente a exposição deste trabalho intentando mostrar o quão complexo é o diagnóstico da Histeria e da Perversão e como os dois por vezes se confundem. Para ser o mais simples possível a explicação do que seria uma estrutura clínica (e bem longe de explicitar teoricamente) seria um tipo de personalidade.
Desejo a vocês, meus queridos leitores, que apreciem este maravilhoso trabalho e se possível recorram ao filme para esclarecer maiores considerações.
Obs: alguns negritos foram meus onde achei necessário maior atenção.

“LIGAÇÕES PERIGOSAS” de Aspasia Papazanakis
     
   O presente trabalho pretende abordar o romance “Ligações Perigosas”, escrito em 1782 por Choderlos de Laclos (1741-1803), a partir de um enfoque psicanalítico na leitura de seus personagens. Como material para análise, utilizei-me do filme de Stephens Frears, que foi o que me motivou a desenvolver esse trabalho e que me fez buscar mais elementos no próprio livro. O romance é todo ele descrito através de cartas que os personagens enviam entre si, configurando e desenvolvendo dessa forma a trama central.
O romance descreve um certo tipo de relação entre seus personagens na qual todos os meios parecem ser lícitos para a obtenção de um prazer que se constitui, basicamente, no uso e na posse do outro. Interessa-nos aqui, investigar que motivos orientam esses personagens. 
As figuras centrais da trama são a Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont, que constituem um par que se complementa harmonicamente, parecendo formar uma unidade indissolúvel que se compraz na sutil sedução daqueles a quem querem enredar. É um terceiro personagem, Mme. de Tourvel, mulher tida como esposa fiel e virtuosa, que vai por em risco essa unidade, quando Valmont se apaixona por ela. 
Neste trabalho enfoco, basicamente, estes três personagens, buscando referenciar teoricamente a natureza da relação que os une. Procurei ilustrar minhas análises a partir de frases extraídas do livro, que considerei pertinentes para tal finalidade. 

AS LIGAÇÕES... A HISTÓRIA
            A Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont são ex-amantes e estão sob o juramento de não mais se relacionarem intimamente, mas mantêm uma intensa amizade calcada na cumplicidade.
O enredo se inicia quando a Marquesa propõe a Valmont “uma missão heróica”: desvirginar a jovem Cécile de Volanges, filha de sua prima. Cécile estava prometida ao Conde de Gércourt, um ex-amante da Marquesa, que anteriormente a havia abandonado por outra mulher. Coincidentemente, esta mulher, por sua vez, havia abandonado Valmont para se unir a Gércourt. Os dois traídos, Merteuil e Valmont, uniam-se, assim, para preparar a vingança. A Marquesa pede a Valmont que desvirgine a jovem Cécile. Esta seria a forma de afrontar e ultrajar Gércourt. Valmont, porém, se recusa à tarefa, por considerá-la fácil demais. Está interessado em outro objetivo, seduzir a bela e virtuosa Mme. de Tourvel, que recentemente conhecera na casa de campo de sua tia. “... Eis aí a fortaleza que ataco, eis o inimigo digno de mim, eis a meta que pretendo atingir” (carta IV). Mesmo assim, reafirma seu interesse pela Marquesa lamentando o juramento que os impedia de se relacionarem sexualmente: “... abjuro esse juramento feito num momento de desvario! Nós não seríamos dignos de o fazer se tivéssemos que guardá-lo”.(carta XV).  A Marquesa em resposta desafia-o. Diz que ele só a terá, se tiver sucesso na conquista de Mme. de Tourvel. Ardilosa, continua com seus planos. Apresenta Danceny, um jovem músico, à Cécile e dessa apresentação, nasce um intenso amor. Cécile, à qual a Marquesa fizera tê-la como confidente, confessa-lhe seu amor por Danceny. Frente à revelação, que correspondia a seus planos, a Marquesa finge-se surpresa e a repreende, pois como prometida em casamento, não deveria estar pensando em outro homem. Mesmo assim, propõe que manterá sigilo se ela puder ler todas as cartas que Cécile enviar a Danceny e a outras pessoas.
            Por sua vez, Valmont está no campo, na casa de sua tia Rosemonde, onde está hospedada Mme. de Tourvel. Esta, diante das investidas de Valmont, parece confusa, mas atraída. O idílio é interrompido quando Tourvel revela que vem recebendo cartas anônimas, prevenindo-a do caráter de Valmont. Este, desesperado com a recusa, busca conhecer o autor das cartas. Descobre que quem escreve à Mme. de Tourvel revelando seu passado de conquistador inveterado é Mme. de Volanges, mãe de Cécile: “... mais falso e perigoso do que amável sedutor, nunca deu um passo, que não correspondesse a um plano desonesto” (carta IX). Irado, Valmont aceita a proposta que lhe fora feita pela Marquesa. Desvirginar Cécile era agora sua meta, sua vingança: “... desde que a idade dessa maldita mulher a põe ao abrigo de meus golpes, é preciso feri-la no objeto de seus amores”(carta XIV). Valmont habilmente seduz Cécile transformando-a numa experiente amante, fazendo-a crer que assim, melhor agradaria seu futuro marido. Em carta a Merteuil declara “... foi a seu pedido que a tomei aos meus cuidados e só espero suas ordens para desfazer-me dela”(carta CXXIX). 
            Valmont, no entanto, não desiste da conquista de Mme. de Tourvel. Aos poucos vai envolvendo-a até fazê-la abandonar suas reservas e entregar-se a ele. Arrependida, ela foge para Paris. O visconde parte em sua busca e a convence, fazendo-a acreditar em seu amor. Mme., confusa, cede. Valmont, exultante, apressa-se em comunicar o feito para a Marquesa de Merteuil e exigir a recompensa: sua noite de amor com ela. Afinal, obtivera sucesso em sua missão! A Marquesa nega-lhe o encontro. Está irredutível porque havia percebido que Valmont - antes mesmo que ele tivesse se dado conta - tinha realmente se apaixonado por Tourvel. Exige provas, quer cartas que confirmem o que Valmont lhe diz.: “... posso ter tido a pretensão de fazer as vezes de todo um harém, mas nunca admiti fazer parte de um deles”(carta CXXVII). Valmont tenta se justificar: “... eu precisava, para minha observação, de uma mulher delicada e sensível, que tivesse no amor sua única preocupação...... cuja emoção, longe de seguir o caminho habitual, partisse sempre do coração para chegar aos sentidos.(...) nossos laços foram apenas desatados, não rompidos”(carta CXXXIII).
               A Marquesa, no entanto não se deixa comover. Está inflexível e ferida no seu orgulho. Humilhada, quer humilhar. Propõe ao submisso Valmont que rompa com Mme. de Tourvel, para isso, dita-lhe, palavra por palavra, o que deveria dizer a ela: “... hoje uma mulher a quem amo perdidamente, exige que eu te sacrifique. A culpa não é minha... Adeus meu anjo, possui-te com prazer, deixo-te sem pesar: talvez um dia volte a ti. Assim segue o mundo, A culpa não é minha” (carta CXLI).
Valmont, totalmente submetido aos desígnios de Merteuil, rompe com Tourvel. A Marquesa ironiza: “... seu triunfo me lisonjeia... mas não foi sobre ela que alcancei essa vitória, foi sobre você: eis aí o divertido da história”(carta CXLV).
           O Visconde humilhado procura vingar-se. Descobre que outro homem recebia agora as atenções da Marquesa: o jovem músico Danceny amante de Cécile. Prepara um encontro de  Cécile com Danceny, e este deixa de ir visitar a Marquesa. Valmont avisa-a e prova-lhe que ela havia sido preterida pelo jovem amante.
Danceny, sentindo-se enganado, desafia Valmont para um duelo, no qual mata Valmont. A Marquesa, abandonada por Danceny e sem Valmont, fica só e é desprezada pela sociedade que começa a tomar conhecimento de seus atos. É acometida de varíola, ficando desfigurada e perde um de seus olhos: “. a moléstia a fez voltar ao natural e agora sua alma está estampada no rosto”.(carta CLXXV).
Mme. de Tourvel, tomada pela culpa, adoece e morre: “ eu me julgava bem certa de que ia morrer e tinha a necessária coragem; mas sobreviver a minha desgraça e a minha vergonha, é o que me é impossível ”.(carta CXLIX).
             Cécile de Volanges, grávida de Valmont, perde o bebê e interna-se no convento e Danceny, ciente da trama em que fora envolvido e indignado com a Marquesa, parte para Malta.
          O romance, portanto, termina com seus heróis principais mortos, parecendo indicar que não há lugar para aqueles que enredam ou se deixam enredar pelas leis do desejo: “... se as pessoas estivessem mais esclarecidas sobre sua verdadeira felicidade, não a buscariam jamais fora dos limites prescritos pelas leis e pela religião” (carta CLXXI)

A PERVERSÃO

                O termo perversão implica em si mesmo a noção de algo que se constrói em relação a uma versão dada, ou seja, se algo que só pode se constituir em relação à existência de uma versão.
                    Freud, em 1905, nos “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” escreve:
 “ O conceito popular do instinto  é refletido na lenda, cheia de poesia, segundo a qual, os  primeiros  seres  humanos   foram  divididos  em  duas  metades  -  o homem
e a mulher - que estão procurando eternamente, se unir novamente pelo amor”. (...) “A opinião popular tem idéias bem definidas sobre a natureza e as características da pulsão sexual. Convencionou-se dizer que essa pulsão falta à infância, que ela se instala na época da puberdade e em estreita relação com o processo de maturação, que ela se manifesta sob a forma de uma atração irresistível exercida por um dos sexos sobre o outro e que seu alvo seria a união sexual ou pelo menos ações que levam a isto”.
                  Essas versões (negrito meu- Raquel) convencionadas pela opinião popular serão polemizadas por Freud, que propondo a noção de pulsão e não de instinto, propõe liberar o homem de uma lei que determine e limite a escolha de seu objeto sexual biologicamente. No entanto, quando nomeia “invertido” ou “pervertido” àqueles que de alguma forma desviam-se dessa lei, Freud está enfatizando a existência de uma “versão”, marcando o parâmetro biológico como referência, ao mesmo tempo em que o nega.
                  Ao modelo do perverso, como mostraria mais tarde, Freud desafia a lei ao mesmo tempo em que pelo desafio a confirma.
            Assim, a perversão - o termo e a estrutura - se constrói sempre em relação a uma versão consensualmente aceita, que pode ser de ordem biológica, psicológica ou social. Se não há versão, não pode haver perversão. Se não houvesse Lei não haveria transgressão, não se constituiria o perverso.
               A perversão se constitui a partir da lei da castração. Frente à angústia, o perverso desenvolve o mecanismo de renegação que o torna cativo de uma lei antinômica: por um lado mantém o compromisso com a realidade, ou seja, reconhece a castração; por outro, persiste a crença na teoria sexual infantil. Dessa forma, a diferença entre os sexos e a interdição do incesto que são as conseqüências+ mais imediatas da castração, ficam marcadas pela ambigüidade. Por essa mesma ambigüidade, o perverso reconhece a lei como um limite existente, para através do desafio e da transgressão provar que talvez ela não exista.
             É nessa burla, na transposição da lei, que o perverso garante seu gozo, desde que assim esteja impondo a sua lei à Lei, que em última instância é a lei do pai.
               A castração remete o perverso à dialética do ser. Ao contrário do histérico e  do  neurótico  obsessivo  que  se  centram  na  alternativa  do  ter ou não ter (o falo), seu desafio remete-o à dialética do ser. A questão que se lhe impõe é a do ser ou não ser (o falo).
            Pode se dizer assim, que o perverso  mantém frente à lei uma posição dupla: de reconhecimento e de não reconhecimento, de aceitação e de não aceitação. Assim sendo, o desafio é uma forma de provar que a lei pode ser burlada. Essa burla, porém exige a condição de uma testemunha que assista a escamoteação da castração. Segundo Jean Clavreul, “o olhar do outro é indispensável, porque é necessária a cumplicidade para que confirme a existência da ilusão”. Nessa cumplicidade o outro também se desvia em relação às balizas e aos limites que o inscrevem em relação à lei.
         O segredo é um alvo atraente para o perverso, que o incita a usar suas armas prediletas: o desafio e a transgressão. Consiste na tática de enredar um terceiro como cúmplice de uma informação sobre a qual este deve se calar. Instituída essa situação, o perverso pode manejar de forma a satisfazer seu prazer.

OS PERSONAGENS

       Se tomarmos Valmont, observamos que sua conduta se pauta pelo desafio às imposições morais. Orgulha-se de sua reputação de libertino. Engaja-se em seus projetos, estuda suas ações com lucidez e cinismo, buscando sempre triunfar sobre os códigos que regem a sociedade. A lei não é para ser respeitada, a lei é para ser desafiada, para ser transgredida. É nesse tipo se relação com a lei que Valmont se estrutura.
          Essa característica em Valmont nos faz pensar num caráter perverso, que só aceita o limite, ou em outros termos, a castração, se puder transgredi-lo. Transgredir a lei é a necessidade imperativa de não se sujeitar à castração. Valmont faz maldade, não por maldade, mas em função de subverter e / ou perverter a ordem dos valores, de introduzir o outro, através de seu “mau exemplo” em seu universo de perversão. Todo seu movimento busca o prazer, o prazer de fazer valer a própria lei e dessa forma confirmar sua liberdade em relação à lei do pai.
            A Marquesa se destaca como uma figura toda-poderosa, buscando controlar os que estão à sua volta, usando-os como instrumentos para a realização de suas intenções. Seu desejo de domínio estende-se às ações, aos pensamentos e às intenções do outro (negrito Raquel). Encontra em Valmont seu melhor parceiro. Reconhece a diferença entre os sexos, reconhece sua condição de castrada...mas não aceita: “... sempre soube que nasci para dominar seu sexo e vingar o meu” (carta LXXXI) diz a Valmont.
            Essa fala remete a uma estrutura de personalidade histérica, onde a busca do poder se constitui numa reivindicação fálica. Aqui a intriga, a maldade a falsidade são conseqüências da inveja e da vingança, e constituem, ao mesmo tempo, as armas da luta pelo poder.
          A Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont se complementam numa parceria   na qual  a maldade  é prazerosa e a culpa  inexistente: “... uma aventura digna de um herói: você servirá ao amor e à vingança. Será enfim uma travessura a mais para incorporar às suas memórias” (carta II).
Valmont, fascinado que é pela Marquesa, oferece-se como alguém a ser por ela instrumentalizado: “ ... você é capaz de fazer amar o despotismo “ (carta IV).  Ela, dominadora, ardilosa, assume total controle sobre ele.   Quando começa intuir que ele está se apaixonando por Mme. de Tourvel , antes mesmo que o próprio se dê conta do seu amor, a Marquesa começa a dar sinais de intranqüilidade. Ameaçada de perdê-lo, reage como se estivesse perdendo parte de si mesma.
                Que tipo de vínculo é esse que liga Merteuil a Valmont?
               Podemos observar que o amor e o desejo que os une, encobre uma relação de dependência mútua, na qual Valmont parece se postar frente a Merteuil, mais como filho do que como amante. Se tomarmos a descrição lacaniana do Complexo de Édipo, podemos identificar em Valmont, o menino que deseja ser objeto do desejo da mãe, que crê que a mãe o ama e que é objeto exclusivo de seu amor. O que ignora é que a mãe procura outra coisa, mais além dele: sua plenitude narcísica. O menino e a mãe formam uma unidade narcisista em que cada um possibilita a ilusão, no outro, de sua perfeição produzindo um narcisismo perfeito. A mãe converte o filho em falo, para poder ser a mãe fálica e assim ignorar a castração. O filho é o falo, a mãe é a lei. Um alimenta a ilusão narcísica do outro.
             Valmont se oferece como falo da Marquesa e nessa medida a constitui mãe fálica, restabelecendo e alimentando a ilusão infantil. Abandonar essa posição é submeter-se à lei. Perversamente, nessa relação vive a recusa da realidade e o gozo da transgressão. Por sua vez, a Marquesa, presa da mesma ilusão, o toma como o falo que supre sua própria castração, sua incompletude. Tem o falo que a completa, tem alguém para quem ela é tudo e toda. Goza do atributo de poder marcar a lei do seu desejo, como lei onipotente. A Marquesa  também vive, à seu modo, incólume à ação da Lei, a ilusão da plenitude narcísica. Um reforça o desejo do outro, um é elemento essencial para o outro, na medida em que, assim, garantem o triunfo sobre a Lei.
               Essa relação idílica fica ameaçada, quando Valmont se apaixona por Mme. de Tourvel. Esta lhe propõe um novo modelo de relação de amor e não de fusão. Ela é mulher e o quer como homem. Ela representa para Valmont a possibilidade de tornar-se todo, inteiro, íntegro, tal como ela o era. Mas o preço é alto: a castração. “... não há mais, para mim, felicidade nem retorno, sem a posse  dessa mulher que odeio e que amo com igual furor” (carta C ).  Mme. de Tourvel traz a vida e traz a morte. Em Valmont o amor e o desejo se degladiam, fazendo-o sofrer angustiadamente o dilema entre o ser  (o falo) e o ter  (o falo). A Marquesa, sentindo a iminência de perder Valmont e conseqüentemente a ilusão, trata de substituí-lo por outro que se possa prestar a ser seu atributo fálico: o Cavalheiro Danceny.
              Valmont está angustiado, e regredido corre a buscar alento na antiga relação: “... deixe mão de Danceny e prepare-se para novamente gozar e me proporcionar as delícias da nossa primeira ligação” (carta CXV). A Marquesa ferida em seu orgulho exige que ele rompa sua nova ligação amorosa. Tal qual o “outro como lugar do código”, como define Lacan, indica as palavras que deve usar ao falar com Mme. de Tourvel. Valmont se submete: quer fugir à castração e recuperar a posição de falo. Sua identidade está em jogo. Mas a Marquesa já não o quer, Danceny ocupa agora o lugar que fora seu. Valmont está destituído de seu lugar, mas tem em sua posse o segredo da trama que enredara todos os personagens. Revela o segredo e expõe sua cúmplice. Quando desafiado por Danceny ao duelo, aceita e deixa-se matar. Como poderia Valmont sobreviver? O que está proposto, na verdade é um duelo interno entre, por um lado, a irresistível atração pela situação idílica narcísica que, no entanto, o condenava à eterna fusão, à eterna indiscriminação (ser o falo) e por outro, a possibilidade de ser amado como homem, indivíduo, que, no entanto, exigia a submissão à castração (ter o falo).  Na dialética do ser ou do ter, Valmont se resolve pelo não ser, fica a meio caminho de uma posição abandonada e outra não alcançada.
                 A Marquesa, por sua vez, perde seu melhor parceiro, seu grande cúmplice na burla da Lei, que lhe garantia o narcisismo, sua completude. Sem Valmont, está reduzida à condição de mulher castrada: à onipotência contrapõe-se a impotência, à arrogância contrapõe-se a humilhação.
              Está desfeita a parceria, está desfeita a relação narcísica que sustentava a burla da lei, que os permitia viver à margem de qualquer sanção.
Impôs-se a realidade sobre o desejo.    
            
ASPASIA PAPAZANAKIS
BIBLIOGRAFIA
Bleichmar, H.  “Introdução ao estudo das perversões: a teoria do Édipo em Freud e Lacan” -  Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.
Clavreul, J. ... ( et al.). “O desejo e a perversão”- Campinas, SP : Papirus, 1990.
Chordelos de Laclos, P.A.F. “Ligações perigosas”- SP: Livraria José Olímpio,1947
Dor, Joel  “Estrutura e Perversões” -  Porto Alegre, Artes Médicas, 1991.
Freud, S.  “Os três ensaios sobre a sexualidade”; in Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Vol. XIII - Rio de Janeiro, 1974.
Laplanche, J. “Vida e morte em Psicanálise”- Porto Alegre, Artes Médicas, 1985.
Valas, P.  “ Freud e as Perversões” - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Filho, 1990
Vignoles, P. “A perversidade” - Campinas, SP: Papirus, 1991.
Filme: “As Ligações Perigosas”   por  Stephens Frears

Créditos: Psyché Universidade São Marcos ISSN (Versión impresa): 1415-1138 Psychê — Ano X — nº 18 — São Paulo — set/2006 — p. 191-207) http://redalyc.uaemex.mx/pdf/307/30701820.pdf

quarta-feira, 6 de março de 2013

Quando procurar um Psicólogo?



Muitas pessoas pensam em procurar um psicólogo quando já estão doentes psiquicamente ou apresentam certo tipo de angústia insuportável. Outros só buscam a ajuda de um profissional da área quando encaminhados por um Médico a partir de algum diagnóstico de Depressão, Transtorno Bipolar, entre outras patologias.
Sair para um barzinho e conversar com um amigo a fim de diminuir problemas, entre outros aparentes diminuidores do sofrimento amenizará a angústia, mas nem sempre cessará o problema.
Estas atitudes apesar de apresentar certo alívio mostram-se passageiras e novamente o problema parece cada vez mais ser salientado. Tais se mostram como fugas, e estas nada mais têm como objetivo mascarar uma situação.
A Psicologia enquanto ciência e profissão objetiva o aprimoramento pessoal utilizando os recursos internos do indivíduo afim de “bancar” o sofrimento emocional.
O Psicólogo tem fundamental importância no que se refere em escutar sem julgar, além de utilizar técnicas que objetivam o autoconhecimento e auto- estima positiva.
Muitas das vezes, pessoas próximas como amigos e familiares pensando em ajudar a pessoa querida podem enriquecer o problema ao invés de cessar.
Erroneamente algumas pessoas por “pré – conceito” confunde a atribuição do Psicólogo a apenas doentes mentais, o que está sendo descaracterizado pela prática cada dia mais universal da análise de si.
Na verdade aqueles que ousam tratar como tal são na verdade pessoas que apresentam medo de encarar-se declarando a atuação psicológica como sendo para “loucos”. O que não é!
O Psicólogo e o atendimento psicológico são importantes instrumentos para o re- encontro de si e não o afastamento ou o embotamento do eu verdadeiro. É um aprimoramento da pessoa em busca de uma vida mais plena e agradável.