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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Freud e o Cavalo Branco

       
        
          Desde que iniciei meus trabalhos em clínica utilizei um símbolo para as publicidades do consultório: o cavalo branco. Alguns chegados perguntavam- me o porquê de ser um cavalo e ser da cor branca. Resumia o motivo, mas aqui, neste post, venho explicitar maiores detalhes a causa da minha escolha.

        Freud em um de seus escritos “Análise de uma fobia em um menino de cinco anos” de 1909 descreve o primeiro tratamento psicoanalítico em uma criança. Tamanha é a importância desde trabalho, que a maioria daqueles que buscam o entendimento da psiquê infantil buscam tal passagem da obra freudiana. Esta análise é costumeiramente reconhecida como o “Caso do Pequeno Hans”. Hans em alemão significa cavalo.

A criança em questão apresentava crises de ansiedade e sintomas de fobia, impedindo- o de sair de casa. Tal era compreendido através do temor do menino em deparar- se com um cavalo.

Aos 4 anos e 8 meses foram apresentados indícios de fobia relacionados a dois acontecimentos em específico, são eles: sentia grande temor ao ver um cavalo cair no chão- resfolegar e espernear; e temia ser atacado/ mordido pelo cavalo.

Durante o adoecimento e o repouso de 15 dias em casa decorrente de uma forte gripe, sequenciada uma amigdalectomia. Freud como médico preocupou- se com o início da enfermidade, mas seu espírito perspicaz tal de um investigador da mente humana, não ficou retido em seus conhecimentos médicos, e nos tratamentos convenientes a sua profissão. Interpretou que tal origem da gripe poderia ter um significado muito especial relacionado à boca (amigdala). Salientou que a boca teve uma simbolização importante para o despertar da fobia, já que o pequeno paciente frequentemente relatava as seguintes palavras “os CAVALOS BRANCOS mordem. Quando a gente passa os dedos na frente deles, eles mordem”.

O início da aproximação da criança com este específico animal (o cavalo) teve origem nas suas brincadeiras pueris, em que brincava de ser cavalo com outras crianças e com seu pai.

Obranco tornou- se para Freud um símbolo de grande importância para o entendimento do processo traumático do caso, e posteriormente para ajuda no que diz respeito à cura. A interpretação foi de que o branco do cavalo se assemelhava a mesma cor do branco do avental do médico que tratava da constipação intestinal da criança.

Antes disto cabe expor que aos três anos de vida, o garotinho apresentava curiosidade pelos órgãos genitais tanto os seus quanto os de outras pessoas, além da curiosidade sexual pelos órgãos dos animais. Decorrente desta curiosidade pueril, atos de masturbação se tornaram frequentes, sendo estes reprimidos pela educação da mãe. Nestas ocasiões, a genitora ameaçava- o dizendo que se não parasse com tais comportamentos, levaria- o a um médico para cortar- lhe o“pipi”. Perante esta ameaça de castração constante prendia o filho com uma camisola, cujas mangas ao serem atadas impediam a criança de manusear seus órgãos genitais.

A repressão sexual por parte da figura materna era tamanha, que o menino aos três anos e meio apresentou sinais de ansiedade, tais como depressão, crises de angústia, e um medo excessivo em separar-se da mãe.
          Certa vez após uma chamativa da genitora, o garoto teve um sonho naquela noite. Sonho este em que a criança relatara ao pai que fora mordido por um cavalo, revelando características detalhadas de que seu medo não se dava somente ao animal fora de sua casa, mas também esse atacando- o dentro de seu quarto.

Freud observando tais revelações interpreta que o temor da mordida do cavalo, qual a criança se refere, relaciona-se com o medo e a angústia, sendo consequências de seu ato masturbatório ameaçados pela mãe. Após tal interpretação apresentada ao menino, o paciente apresentou uma aparente melhora do quadro.

No desenrolar da averiguação do “Caso Hans” revela- se uma ilustração de que certa vez quando o menino brincava com uma de suas coleguinhas, o pai dela adverte quanto ao perigo em aproximar sua mão à boca do cavalo, sendo enfático: “Não aproximes os dedos ao cavalo porque te morderá” (1909 apud FREUD; ABERASTURY, 1982, p. 27).

Dr. Freud atenta que a fala do genitor de sua colega remete ao menino a mesma repressão que a mãe lhe faz ao proibi-lo de masturbar- se. Tal explica o porquê do signo “cavalo” estar interligado azoofobia de Hans. Digo, pois o valor da advertência do pai da amiga se equivale ao valor da advertência masturbatória da mãe de Hans.

“O material patogênico fica transferido ao complexo do cavalo e transformado uniformemente em angustia todos os afetos concomitantes. O cavalo sempre foi para menino um signo de prazer do movimento, mas como este prazer integra o impulso ao coito, fica restringido pela neurose, que erige também ao cavalo, na própria imagem do medo” (1909 apud FREUD; ABERASTURY, 1982, p. 29)

A Fobia

Sabemos que na fobia os deslocamentos são múltiplos. No caso, Hans transferiu para a figura do cavalo o seu temor pelo animal em adentrar em seu quarto, pois o quarto era o local que o menino masturbava-se.

O que é interessante observar em todo este caso clínico e que saliento em minha prática clínica é que o maior fator efetivo para a cessação dos sintomas é o desejo de cura. A criança ao perceber que relatando seus sentimentos seguidos das interpretações do profissional lhe causam conforto. Em qualquer tratamento, seja médico ou psicológico, o desejo de cura é o que salva o paciente de sua enfermidade.

Vimos na história da Psicanálise e da Psicologia Infantil no geral que durante longo tempo os profissionais acreditaram que a criança por ser um ser não desenvolvido tanto organicamente como psicologicamente comparado ao desenvolvimento de um adulto, não detinha a consciência da enfermidade e a clareza do poder da cura. Hoje sabe- se que a criança se apodera tanto da consciência da patologia quanto da possibilidade da cura. Observo isto constantemente na minha prática clínica com crianças.

Atualmente através da técnica do jogo, é visível que a criança expressa com os brinquedos os mesmo conflitos e os interpretamos do mesmo modo. Ao conscientizarmos da importância do significado latente dos seus jogos, desenhos, sonhos, sonhos diurnos, associações, e a interpretação seriam tão eficaz tal como ocorre no tratamento de adultos. A diferença primordial é que ao substituir a associação livrepela linguagem pré-verbal, constitui e substitui a capacidade da criança de compreender a interpretação, e o poder em estabelecer a transferência com o terapeuta. Seguindo tais preceitos necessários para a análise infantil cumpre-se a eficácia e a possibilidade real no que se refere ao tratamento de crianças similar à existente para a psicoterapia de adultos.

As evoluções das técnicas possibilitam cada dia mais a análise de crianças muito pequenas, podendo ser aplicada a partir de quinze meses de vida. Esta evolução técnica multiplica e expande o sucesso no tratamento de muitos casos psicossomáticos tais como úlcera, colite ulcerosa, asma, eczema e acetonemia, além da profilaxia de enfermidades futuras, mediante a orientação psicológica.

Esta publicação tem grande importância para mim, pois senti a necessidade de expor a vocês que me acompanham o porquê dos cavalos brancos serem símbolos publicitários de minha clínica e de meu trabalho. O cavalo branco para mim representa grande favoritismo ao relembrar esta passagem da obra freudiana relacionada ao primeiro tratamento infantil na história da Psicanálise, cuja abordagem teórica (Psicanálise) me inspira, e cujo público (infantil) começou a minha trajetória enquanto Psicóloga Clínica.

Referência Bibliográfica
· FREUD, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud Volume X (O “Pequeno Hans” e o “Homem dos ratos”) - ANÁLISE DE UMA FOBIA EM UM MENINO DE CINCO ANOS (1909). Versão em Alemão: “ANALYSE DER PHOBIE EINES FÜNFJÄHRIGEN KNABEN”; Tradução inglesa: “Analysis of a Phobia in a Fiver-Year-Old Boy”.
· ABERASTURY, Arminda. Psicanálise da criança- Teoria e Técnica. Porto Alegre: Artmed, 1982.